Pausa

sábado, 1 de outubro de 2011 0 comentários
 
A-partir-de-gafanhotos-Frente-figura.jpg_320-cropQuando pouso os óculos sobre a mesa para uma pausa na leitura de coisas feitas, ou na feitura de minhas próprias coisas, surpreendo-me a indagar com que se parecem os óculos sobre a mesa.

Com algum inseto de grandes olhos e negras e longas pernas ou antenas?

Com algum ciclista tombado?

Não, nada disso me contenta ainda. Com que se parecem mesmo?

E sinto que, enquanto eu não puder captar a sua implícita imagem-poema, a inquietação perdurará.

E, enquanto o meu Sancho Pança, cheio de si e de senso comum, declara ao meu Dom Quixote que uns óculos sobre a mesa, além de parecerem apenas uns óculos sobre a mesa, são, de fato, um par de óculos sobre a mesa, fico a pensar qual dos dois – Dom Quixote ou Sancho? – vive uma vida mais intensa e, portanto mais verdadeira…

E paira no ar o eterno mistério dessa necessidade da recriação das coisas em imagens, para terem mais vida, e da vida em poesia, para ser mais vivida.

Esse enigma, eu o passo a ti, pobre leitor.E agora?

Por enquanto, ante a atual insolubilidade da coisa, só me resta citar o terrível dilema de Stechetti:

“Io sonno um poeta o sonno um imbecile?”

Alternativa, aliás, extensiva ao leitor de poesia…

A verdade é que a minha atroz função não é resolver e sim propor enigmas, fazer o leitor pensar e não pensar por ele.

E daí?

– Mas o melhor – pondera-me, com a sua voz pausada, o meu Sancho Pança – , o melhor é repor depressa os óculos no nariz.

A vaca e o hipogrifo. São Paulo, Círculo do Livro.

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